Em geral, os testemunhos cristãos que costumam predominar são aqueles de trazem experiências de libertações maravilhosas. Libertações que proporcionam cura de câncer ou outras doenças que ameaçam a vida; libertações de dívida ou romance – menos casamentos. Há livros em abundância que relatam casos de quem passa por essas experiências. Mesmo quando o relato é a respeito dos perseguidos, recebe a mesma ênfase. Lemos a respeito de pastores que escaparam de tiroteios de guerrilhas; de líderes da igreja chinesa libertados das garras de uma febre mortal; de guardas de fronteira que ficaram miraculosamente cegos para o transporte de Bíblias deixadas à vista no banco de trás.
Contudo, é preciso que seja dito que histórias de libertação – embora tendam a ter destaque em manchetes – fogem à regra. Um cristão idoso muito querido, de Pequim, costumava me dizer: “Lembre-se, para cada história de libertação que você ouve, há uma centena de histórias de perseverança”. Ele estava certo. A história dos cristãos perseguidos é, principalmente, de perseverança. Tem sido assim desde o tempo do Novo Testamento.
Paulo adverte: “Se perseveramos, com ele também reinaremos” (2Tm 2.12). E isto é seguramente verdadeiro – afinal, as coisas às quais somos “entregues” voltam a nos atrair. Se Jesus tivesse sido “entregue” à dor da cruz e milagrosamente libertado, nós não seríamos libertos de nossos pecados. Então, ele perseverou para que uma profunda e grande libertação pudesse acontecer.
Nunca vi esse princípio tão bem ilustrado como na história de uma senhora médica em Pequim, conhecida por todos como “Tia Mabel”. Ela se tornou conhecida devido ao seu brilhante testemunho cristão. Ela nunca se casou, a fim de cuidar de um irmão doente. Sua família era rica, eles moravam em uma grande casa na região central de Pequim.
Tudo isso mudou abruptamente em 1949. Sua grande casa classificava-a como os que estão na categoria de proprietários. Ela foi despejada de sua casa e forçada a viver em um galpão de jardim, com apenas um fogão, duas espreguiçadeiras e uma cama antiga. Suas convicções cristãs faziam dela objeto de suspeitas e, então, quando a Revolução Cultural eclodiu, ela foi destituída de sua função como médica e foi enviada para trabalhar cavando areia em uma equipe de obra. Mas, o ápice da indignidade foi quando os guardas vermelhos – adolescentes que receberam autoridade para dirigir a Revolução – começaram a visitá-la, agredindo- a e fazendo-a desfilar nas ruas, forçando-a a usar um cartaz com seus crimes escritos nele.
Os guardas vermelhos foram tão meticulosos que ergueram uma grande placa do lado de fora de sua casa, declarando-a pária, porque ela havia distribuído “literatura imperialista em louvor aos Quatro Velhos”, o que significa que ela tinha fornecido Bíblias na crença “errônea” de que a religião é útil. Para esses guardas vermelhos, havia somente um “deus” permitido, e esse era Mao Tsé-Tung, e apenas uma “Bíblia” permitida, seu pequeno Livro Vermelho.
Mabel vivenciou um verdadeiro inferno. Rejeitada por vizinhos, vitimada diariamente por sua equipe de trabalho e agredida regularmente pelos guardas vermelhos, ela regressou uma noite à sua pequena casa e disse a Deus: “Já tive o suficiente”. Ela argumentou: “Estou com 60 anos agora, vivi uma boa vida, e Deus não vai se importar se eu for para o céu mais cedo”. Então, ela pegou um grande cutelo, segurou-o sobre seus pulsos, e emitiu uma última oração, antes de abaixá-lo: “Senhor, se isto é errado, me ajude”.
O cutelo nunca chegou aos seus pulsos. Ela o guardou. Sentou-se, caiu em prantos, e suportou mais oito anos de agressões, isolamento e vitimização. Ela disse: “De alguma maneira, Deus me deu força para suportar, mas eu nunca soube por quê.”
Muitos anos depois, ela soube por quê.
No final dos anos 1970, depois da morte de Mao Tsé-Tung, e com o retorno de Deng Xiaoping ao poder, a China começou a deixar para trás os excessos da Revolução Cultural. Os odiados guardas vermelhos foram dispensados e o pequeno Livro Vermelho caiu em desuso. Mas Mabel não recuperou sua casa. No entanto, ela começou a receber muitos visitantes. Para sua surpresa, esses visitantes eram todos membros de alto nível do Partido Comunista. E o mais surpreendente é que eles pediam Bíblias a ela.
“Por que vocês vêm a mim? Dentre todas as pessoas que vivem em Pequim, por que vocês vêm à casa de uma mulher de 70 anos?” Ela perguntava, e todos respondiam a mesma coisa: “Bem, durante a Revolução Cultural, havia uma grande placa ao lado de fora de sua casa que indicava seus crimes. Um deles era que você havia distribuído Bíblias. Então, estamos aqui na esperança de que você possa ter alguma”.
Espantosamente, aquela placa que havia trazido tanto sofrimento à sua vida tornou-se o meio mais eficaz de seu novo ministério. A mesma placa que fez com que as pessoas se afastassem dela durante a Revolução Cultural, agora, após sua perseverança, as atraiu. Mabel conseguiu entrar em contato com uma missão no Ocidente que contrabandeou Bíblias para ela, tornando-a, assim, o primeiro canal de entrada das Escrituras na capital da China. Ela se tornou uma fornecedora vital e, muitos dos altos membros do Partido Comunista na China devem sua fé hoje, à perseverança de Mabel.
Ela refletiu: “Foi bom saber a razão de tudo o que passei. Fortaleceu minha fé. Mas foi difícil. Todos os dias foram difíceis. Não posso dizer que vi Jesus, ou ainda, que senti que ele estava por perto a maior parte do tempo. Só tive forças para continuar e isso foi suficiente”.
Deus pode libertar-nos, transformando uma situação, mas ele, mais frequentemente, nos livra dando-nos forças para suportar a situação. Dessa forma, outros são transformados, assim como nós mesmos.
O texto acima foi retirado do livro “15 razões por que precisamos ter um encontro com a Igreja Perseguida” (tradução livre), de Ron Boyd-MacMillan, diretor estratégico da Portas Abertas Internacional.
FontePortas Abertas Internacional
TraduçãoSuzana Barreto
Nenhum comentário:
Postar um comentário