No tempo em que morava em Hong Kong, eu costumava fazer questão de jantar com muitos dos colaboradores da Portas Abertas Internacional que dedicavam algum tempo de suas férias para entregar Bíblias na China. Muitas vezes, durante sua viagem, alguns deles encontravam famosos líderes da Igreja, como Samuel Lam ou Wang Ming Dao.
Geralmente, durante a sobremesa, eles me diziam – com muita hesitação, por medo de minha reação – “Para ser sincero, fiquei um pouco desapontado com esse encontro” – e citavam o nome de um desses líderes conhecidos. Falavam algo como: “Acho que estas pessoas podem ser notáveis, e é claro que foram, mas foram também bastante preconceituosas, ou rudes, ou tiveram alguma outra característica que não acho digna de um líder espiritual”.
Muitos ficavam bastante abalados com esta descoberta. Eles acreditavam que os cristãos perseguidos eram “super santos”. Mas eles não são. Idolatrar os perseguidos é uma tendência muito infeliz. Presumimos que, se um cristão sobrevive 20 anos em uma cela fétida de uma prisão, ele está em uma categoria espiritual completamente diferente da nossa. Certamente, eles são diferentes naquilo que experimentaram, mas isso não os torna necessariamente mais espirituais. Como disse certa vez J. C. Ryle: “Mesmo os melhores homens são apenas homens melhores”. Normalmente, eles carregam os pontos cegos e os preconceitos de sua cultura.
Um casal visitou a igreja de Samuel Lam, líder da igreja na China. Ele passou mais de 13 anos na prisão por causa de sua fé e, depois de sua libertação, construiu uma igreja para mais de 1.500 membros, recusando-se a fechá-la, apesar das inúmeras ameaças do governo. Esse casal observou, horrorizado, quando ele ensinou a seus ouvintes, na igreja, uma série de teorias da Segunda Vinda completamente excêntricas, terminando por “provar” triunfantemente que o Éden estava na China. Anos depois, apesar dos melhores esforços de professores ocidentais, Samuel Lam inseriu teimosamente suas teorias absurdas. Ele é um grande homem, com um grande ponto cego!
Em outra ocasião, apresentei um representante da Associação Billy Graham a Wang Ming Dao, certamente uma das personalidades mais significantes da igreja chinesa do turbulento século XX. Este homem encarnou a força da fé cristã quando apareceu, depois de 23 anos em regime de isolamento, ainda louvando a Deus. Milhões de igrejas cristãs usaram seu testemunho como inspiração. Mas Wang Ming Dao tinha seus defeitos também. Ele ficou furioso durante a entrevista, recusando-se a atender o Dr. Billy Graham porque ele estava visitando uma igreja oficial também. O representante disse depois: “Não esperava que ele ainda estivesse tão amargurado pelo que aconteceu quarenta anos atrás. Este homem quer vingança. Mas a Bíblia não diz: ‘Minha é a vingança,’ diz o Senhor?”
Sim, até Wang Ming Dao tinha seus defeitos. Ele estava amargurado até a sua morte. Não pôde considerar, em seu coração, o perdão para aqueles que o tinham acusado falsamente. E se você observar seus sermões, perceberá que ele era – nas palavras de Li Tien En, outro líder espiritual – “um grande pregador da lei, mas não próximo o suficiente da graça”. Na verdade, isto é bastante comum nas igrejas chinesas. Os sermões contêm, frequentemente, listas de tarefas que devem ser realizadas para se receber o favor de Deus. Ele vem de uma típica família chinesa, em que os filhos devem obter o amor de seus pais, e, então, isso direciona seu relacionamento com Deus. É muito difícil para eles encontrar um meio de abraçar o amor incondicional de Deus.
Em outra ocasião, estava levando um distinto professor da Bíblia para encontrar um líder do avivamento em Lanzhou, província de Gansu. O líder chinês levou mais de 50 mil pessoas a conhecer o Senhor através de seu ministério, durante um período de 10 anos, mas, para nossa surpresa, ele ensinou que “só se pode vir à fé em um domingo”. Ele tinha sido evangelizado por sua querida avó, que acreditava que o Senhor podia ouvir os pedidos de arrependimento somente aos domingos. Conversamos e discutimos sobre isto, e, finalmente, ele nos expulsou gritando: “Vocês odeiam minha avó”. Há dois anos, ouvi que ele estendeu o “período de arrependimento” para o sábado também. No entanto, ele ainda é um evangelista extremamente eficaz, apesar desta atitude crônica, obstáculo artificial que ele erigiu para honrar a Deus!
Certamente, o ponto importante é este: falhos como estes homens foram, eles fizeram a vontade de Deus poderosamente. Trabalharam em um país que tem visto o número de cristãos aumentar de menos de dois milhões em 1978, para mais de 60 milhões atualmente – o maior avivamento na história do cristianismo. Deus não deixou de derramar seu Espírito porque seus santos eram imperfeitos.
O que os perseguidos nos ensinam é que Deus trabalha através de nós, apesar de nossos preconceitos, pontos cegos e excentricidades. Se nos oferecemos a nós mesmos, seremos usados como nós somos.
O texto acima foi retirado do livro “15 razões por que precisamos ter um encontro com a Igreja Perseguida” (tradução livre), de Ron Boyd-MacMillan, diretor estratégico da Portas Abertas Internacional.
FontePortas Abertas Internacional
TraduçãoSuzana Barreto
Nenhum comentário:
Postar um comentário