domingo, 15 de dezembro de 2013

Preciso encontrar os cristãos perseguidos porque... (3)

... eles me desafiam a perceber minha dívida para com os heróis da fé e seus atos de amor e perseverança em Deus
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No início dos anos 1980, em um vilarejo na Tchecoslováquia, eu entreguei a um pastor da igreja rural uma Bíblia em sua própria língua. Tinha capa de couro, com um zíper dourado, e era a primeira Bíblia completa que ele segurava. Lembro-me de vê-lo cheirando-a, maravilhado com o odor do couro, brincando com o zíper e quase temeroso de tocar as finas páginas preciosas.

Quando ele começou a falar aos membros da igreja, apontando para mim, disse: “Este cavalheiro é como nossos antepassados, os quais chamamos de heróis da fé. Toda vez que a Bíblia entra em uma cultura, ela representa uma ameaça e há oposição. Homens e mulheres arriscam tudo para trazê-la a nós. Este homem correu tal risco”.

Eu fiquei envergonhado, mas ele continuou a me dizer: “A Bíblia também entrou em sua cultura. Também foi uma ameaça. Diga-me, quem são seus antepassados, seus heróis da fé?”. Sinto vergonha em dizer que não tinha uma ideia clara de quem eram estes homens em meu país do Reino Unido. Eu lembrava vagamente dos nomes de John Wycliffe e William Tyndale, mas não me recordava dos detalhes.

Então, voltei para o meu país, com este desafio tocando em meus ouvidos: “Descubra a história de como sua Bíblia chegou até você e encontrará seus antepassados, verdadeiros heróis espirituais”.

Que história dramática eu descobri; cheia de espiões, mortes e política de poder. Este não é o tipo de assunto que se possa conhecer tudo, mas eu aprendi muito sobre John Wycliffe, o primeiro homem a traduzir a Bíblia para o inglês, no mundo do século XIV, quando a maioria do clero não podia nem recitar os dez mandamentos.

Ele formou um grupo de pregadores guerrilheiros para explorar o país com versões manuscritas da Bíblia e espalhar a verdadeira Palavra de Deus. A maioria foi presa. A Bíblia foi banida pelo Parlamento. Wycliffe morreu de um derrame causado pela tensão. Mesmo após sua morte, ele não foi abandonado. Em 1428, seus ossos foram desenterrados do solo. Às vistas do Arcebispo da Inglaterra, suas cinzas foram espalhadas de uma ponte sobre o Rio Swift, afluente do rio Avon. Nesse dia, foram consagrados os versos a seguir:

“O Avon para o Severn corre
O Severn para o mar
E a poeira de Wycliffe, como as águas,
Na vastidão se espalhará”.

Isso se tornou realidade no século XVI com William Tyndale, que se beneficiou da invenção da gráfica. Ele disse a um clérigo que o dissuadia da tarefa de tradução: “Daqui a muitos anos, farei com que o garoto que conduz o arado conheça a Bíblia mais do que você”.

Entretanto, para fazê-lo, ele teve de sair da Inglaterra e nunca mais retornar. Com apenas 29 anos, em 1524, ele se estabeleceu em Colônia, na Alemanha. Dois anos depois, estava pronto para contrabandear seis mil cópias da Bíblia em inglês para a Grã-Bretanha. Toda a esquadra britânica entrou em alerta; barcos eram parados e inspecionados. Primeiro, dezenas, depois, centenas de Bíblias chegaram.

O bispo de Londres usou outra tática. Ele tentou comprar a tiragem inteira através de um intermediário. Sua intenção era queimar todos os exemplares. Tyndale ficou sabendo disso e aprovou a venda, dizendo: “Ah, ele vai queimá-las. Bem, eu fico contente, pois vou ter o dinheiro desses livros e o mundo inteiro irá clamar pela queima da Palavra de Deus”. E assim foi. Ele as queimou e Tyndale usou o dinheiro para melhorar a tradução e imprimir mais Bíblias à custa da igreja.

O trabalho de Tyndale compôs 85% da Bíblia King James. “O barulho da nova Bíblia ecoou por todo o país”, disse ele. Cabia no bolso, era fácil de esconder e, assim, podia ir a qualquer lugar. Os teólogos da igreja criticaram-na. Thomas More a desprezou, dizendo que estavam “colocando o fogo das Escrituras na linguagem de garotos lavradores”. Tyndale foi capturado por assassinos, estrangulado e queimado em agosto de 1536, condenado por “heresia”.
Suas últimas palavras foram: “Senhor, abra os olhos do Rei da Inglaterra”. Esta oração foi logo atendida e a reforma inglesa foi rapidamente alimentada por uma série de traduções. Em 1535, a Bíblia Coverdale (traduzida de uma versão alemã), foi a primeira Bíblia legalizada. Em 1537, foi publicada a Bíblia de Mateus, uma junção da Bíblia de Tyndale com a de Coverdale. E, em 1539, veio a Grande Bíblia. Três Bíblias em seis anos. Havia tantas, que o Rei James teve de autorizar uma versão especial em 1611.     

Que história! E que heroísmo de meus antepassados. Contei a um amigo coreano sobre minha experiência e ele voltou para a Coreia do Sul ansioso por descobrir como a Bíblia entrou em sua cultura. Ele ficou impressionado ao se deparar com a história de um missionário galês na China, R.J. Thomas, que tinha o enorme desejo que os coreanos conhecessem o Senhor.

Naquele tempo, ninguém podia visitar a Coreia. Era um reino eremita. Mas Thomas se juntou a um navio americano, o SS General Sherman, que estava fazendo uma expedição exploratória para ver se os EUA poderiam comercializar com a Coreia. A viagem foi um desastre. O navio foi atacado e a tripulação e os passageiros foram espancados até a morte, enquanto tentavam chegar à praia.

Thomas foi morto, mas o homem que o matou, sentiu que ele era um homem bom, porque ele não emergiu, lutando com uma espada em sua mão, mas com livros. Seu assassino levou os livros, secou-os, mas foi incapaz de ler em chinês. Uma vez que o papel era caro, ele os colou do lado de fora de sua casa. Logo, ajuntaram-se estudiosos de várias partes do mundo para ler suas “paredes”. Um desses estudiosos tornou-se cristão. Seu filho traduziu o Novo Testamento para o coreano. Outro antepassado heroico.

Os cristãos perseguidos me incentivaram a me conectar ao Corpo de Cristo de uma nova maneira e a respeitar ainda mais meus antepassados espirituais. Quando o Arcebispo de Canterbury, Dr. George Carey, visitou a China em 1994, repreendeu os contrabandistas de Bíblias como “causadores de problemas”. Quando regressou ao Reino Unido, a imprensa lhe informou que ele tinha feito estas observações no 400º aniversário do nascimento de William Tyndale. Para seu crédito, ele teve o cuidado de não cometer o mesmo erro novamente em seu mandato como arcebispo. O mundo ainda precisa de pessoas como Tyndale. Quem sabe, talvez eu ou você possamos ser chamados para tal ilustre ministério.

O texto acima foi retirado do livro “15 razões por que precisamos ter um encontro com a Igreja Perseguida” (tradução livre), de Ron Boyd-MacMillan, diretor estratégico da Portas Abertas Internacional.
FontePortas Abertas Internacional
TraduçãoGetúlio A. Cidade

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