RIO - Mensagens em contas oficiais do regime no Twitter e no Facebook parecem orquestradas nas últimas semanas para mostrar um novo Irã, tolerante, participativo e aberto ao diálogo. E a poucos dias da primeira viagem do presidente Hassan Rouhani ao exterior - mais precisamente aos Estados Unidos, onde fará sua estreia no púlpito da Assembleia Geral da ONU na próxima terça-feira - o governo iraniano surpreendeu ao libertar ontem 11 presos políticos. Todos são ativistas políticos ou de direitos humanos detidos arbitrariamente há três anos, na repressão violenta aos protestos de rua que se seguiram à eleição presidencial de 2009.
Mas, se no Irã daquele 2009 os opositores do chamado Movimento Verde pareciam respaldados pela indignação e pelo repúdio ao regime, além de um quê de ideologia libertária, no Irã de 2013, a oposição assiste, ao lado do novo presidente eleito, a uma onda de pragmatismo. Os prisioneiros foram libertados sem aviso prévio. Entre eles, a conhecida advogada Nasrin Sotoudeh, que defendeu jornalistas e ativistas de direitos humanos como a prêmio Nobel da Paz Shirin Ebadi. Ela havia sido condenada em 2010 a seis anos de prisão por “fazer propaganda contra o regime” e ameaçar a segurança nacional.
- Fui levada num carro da prisão de Evin a minha casa. Eles pareciam bastante certos de que eu estou livre e não preciso voltar à cadeia - contou Nasrin, ainda incrédula, ao diário britânico “Guardian”.
Observadores creditam a libertação a uma estratégia para amenizar críticas pela violação de direitos humanos no país.
- É uma mostra de flexibilidade. Atento para o fato de que os líderes opositores Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi ainda estão presos. Mas trata-se de um grande passo, que não é dado sem o conhecimento do líder supremo, aiatolá Ali Khamenei - avalia o professor Gary Sick, da Universidade de Columbia e ex-conselheiro dos presidentes americanos Gerald Ford, Jimmy Carter e Ronald Reagan para assuntos iranianos.
A nova estratégia de Teerã parece ser ainda mais ampla. Após uma semana repleta de rumores acerca da disposição do governo Rouhani em retomar as negociações nucleares com os Estados Unidos, o presidente deu sua primeira entrevista a uma TV ocidental, a NBC. E garantiu:
- O Irã nunca vai desenvolver armas nucleares sob circunstância alguma. Eu tenho total autoridade para fazer um acordo nuclear com o Ocidente.
Uma chance para Obama
As declarações de quarta-feira foram o ponto alto de uma semana onde Rouhani e o presidente americano, Barack Obama, admitiram ter trocado cartas pessoais nas quais expressaram o desejo de resolver o impasse nuclear por meios diplomáticos. Na segunda-feira, aliás, fontes da revista alemã “Der Spiegel” afirmaram que Rouhani estaria disposto a abrir as usinas iranianas à inspeção internacional, incluindo a mais moderna, o complexo subterrâneo de Fordo, onde, acredita-se, haja 696 centrífugas em operação, já trabalhando no enriquecimento de urânio a 20%. Em troca, o regime esperaria a suspensão de algumas das sanções americanas e europeias - principalmente, o fim do embargo ao petróleo e das proibições de operação do Banco Central do Irã.
Até uma figura mais linha-dura, como o ex-chanceler e atual chefe da Organização de Energia Atômica do Irã, Ali Akbar Salehi, disse esperar que até o fim do ano no calendário persa (que vai até março de 2014) haja avanços na questão nuclear. Embora não se saiba até que ponto o Irã estaria disposto a ceder, analistas consideram a mudança de tom dramática.
- Não acho que Rouhani tenha convencido o líder supremo a adotar um tom moderado, mas eles estão trabalhando juntos. As sanções causaram uma realidade dura, onde finalmente o regime admite que não pode continuar numa situação onde vende apenas 1,5 milhão de barris de petróleo por dia e onde suas reservas de artigos de primeira necessidade duram apenas entre 15 e 30 dias - afirma o professor Abbas Milani, diretor do Centro de Estudos Iranianos da Universidade de Stanford, na Califórnia. - Eles precisam resolver a crise econômica interna, mas só podem fazer isso se resolverem o problema externo, das sanções, que envolve o programa nuclear.
Milani destaca que já se fazem sentir algumas mudanças em apenas um mês e meio do governo Rouhani, como a reabertura de um centro de cinema e a redução da censura à imprensa. As redes sociais foram liberadas por um dia, renovando as esperanças de milhares de internautas, mas acabaram bloqueadas de novo. A reviravolta mais dramática, porém, ocorreu há três dias: tanto o presidente como o líder supremo fizeram discursos separados em Teerã pedindo que as Guardas Revolucionárias parem de interferir na política. Khamenei também surpreendeu.
- Não me oponho à diplomacia correta. Eu acredito no que muitos anos atrás era chamado de “flexibilidade heroica” - declarou o aiatolá Khamenei.
Esse novo cenário de abertura e moderação alimenta enorme expectativa internacional pelo discurso de Rouhani nas Nações Unidas. Principalmente na Casa Branca, ainda se recompondo de fracassos - da gestão do golpe militar no Egito ao morno processo entre israelenses e palestinos, passando, é claro, pela crise da espionagem cibernética e pelo desgaste envolvendo uma ação militar contra a Síria.
- É uma excelente oportunidade para um acordo que nunca foi tão importante para o presidente Obama. É a chance de trazê-los para o nosso lado na questão nuclear e até na questão das armas químicas da Síria. O Irã foi vítima dessas armas e é um de seus maiores opositores - pontua Gary Sick, lembrando que Rouhani também já disse estar pronto para apoiar “qualquer regime eleito pelo povo sírio”. - Creio que esta seja a maior chance dos últimos 20 anos.
Se até o ano passado, quando o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad discursava na ONU, o plenário se esvaziava em protesto, na terça-feira, diante de tantas mudanças, deverá faltar lugar para ouvir as palavras do novo chefe de Estado do Irã.
- Podemos esperar um discurso de compromisso, transparência e disposição ao diálogo ao mesmo tempo em que prega a preservação dos direitos iranianos a um programa nuclear pacífico. Ele busca um “vencer ou vencer”. Mas não acho que haverá ofertas específicas na ONU, antes de encontros diretos com o P5+1 - arrisca Hooman Majd, autor de “A Democracia do Aiatolá”, referindo-se ao grupo formado pelas cinco potências do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha.
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